Em sua juventude, Caetano Veloso foi apresentado à vanguarda musical em circunstâncias inusitadas. Relembrando sua chegada a Salvador no início dos anos 1960, o cantor contou que assistiu, no auditório da Universidade da Bahia, à execução de obras de John Cage por David Tudor, pianista norte‑americano associado à música experimental. O concerto aconteceu sob a batuta do maestro e pedagogo Hans‑Joachim Koellreutter, que dirigia a Escola de Música da universidade e foi responsável por introduzir a música de vanguarda no Brasil.
O episódio entrou para o anedotário artístico da cidade. Uma das peças exigia que Tudor ligasse um rádio durante a execução. No momento do acionamento, a transmissão local irrompeu: “Rádio Bahia, Cidade do Salvador”. A plateia caiu em gargalhadas, e Koellreutter riu ainda mais — era como se a Bahia se inscrevesse, por acaso, no coração da arte experimental. O público também foi confrontado com a provocativa “4′33ʺ”, em que Tudor apenas abriu e fechou o tampo do piano após quatro minutos e trinta e três segundos de silêncio, fazendo da respiração e das tosses da plateia a própria música.
Para o jovem Caetano, a experiência foi reveladora. Em entrevista anos mais tarde, ele relatou que ver a música de Cage ao vivo — ao lado de peças de autores como Camus e Brecht — o fez perceber que Salvador abrigava uma efervescência cultural sem precedentes. “Eu tinha 18 anos; vi João Gilberto em 1959 e achei que algo tinha de acontecer”, recordou em coluna. Esse ambiente de experimentação, que reunia estudantes, intelectuais e futuros cineastas como Glauber Rocha, formou a base estética que ele viria a sintetizar no Tropicalismo.
O encontro com a vanguarda também escancarou a predisposição do artista para o novo. Em um ensaio posterior, Caetano refletiu que já trazia de Santo Amaro uma disposição interna para aceitar e ansiar por experiências radicais — uma sensibilidade que encontrou eco nas performances de Cage e Tudor. A partir daí, sua obra passou a conciliar o popular e o erudito, o regional e o internacional, criando uma síntese singular. Ao lembrar daquela gargalhada coletiva no salão da universidade, Caetano demonstra como o acaso e o humor também fazem parte da história da música de vanguarda — e de sua própria formação artística.