Mateus Fazeno Rock ousa despretensiosamente em Lá nas Zárea Todos Querem Viver Bem

Em entrevista ao Musicalidade, o cantor cearense se debruça no álbum e na trajetória da carreira até agora

Já faz algum tempo que Mateus Fazeno Rock chama atenção pela inventividade e a facilidade de navegar entre estilos e gêneros musicais diferentes. Emergente novo talento da cena, o cearense do subúrbio de Fortaleza é um dos nomes mais distintos sonoramente entre os mais jovens que ganharam público recentemente e agora dá mais um passo na carreira com o lançamento do álbum Lá nas Zárea Todos Querem Viver Bem.

O disco de 10 faixas é uma evolução natural de um artista em desenvolvimento e ascensão. Com produção mais duradoura e um tempo maior para pensar e organizar cada música, Mateus construiu um disco mais solar. Os arranjos e as guitarras de Fernando Catatau, conhecido pelo trabalho na banda Cidadão Instigado, também encorpam o projeto que é o terceiro em formato solo lançado por Mateus.

“Quando surgiu Lá nas Zárea Todos Querem Viver Bem, foi dessa forma. Eu estava pensando sobre isso, pensando sobre coisas que expandem a minha vista para longe”, afirma o cantor ao Musicalidade. O novo disco é uma busca por abrangência, de acordo com Mateus. “Eu acho que tinha essa necessidade de eu estar cantando sobre alguma coisa que abrisse meu horizonte para além do Jesus Ñ Voltará”, complementa.

O artista aumentou o escopo de alcance do trabalho, mas continua na mesma caminhada. “A intenção é de produzir e articular memória. Eu tenho consciência que a gente vive num país onde a gente sofre apagamento, a minha cultura é apagada. Eu tenho consciência que a gente disputa narrativas e disputa ética e filosofia de vida nesse país o tempo inteiro”, reflete. “Eu, de fato, não quero produzir uma obra esvaziada. Eu não quero produzir uma discografia sem sentido. Eu pretendo cantar enquanto eu tiver o que cantar”, acrescenta.

Essa ideia e a temática tem relação direta com as vivências cotidianas de um artista que cresceu na periferia de Fortaleza. “E eu tenho consciência que contar minha história a partir pouco dessa cidade, que colocar os dizeres, os cenários, as gírias e as questões que eu observo no meu cotidiano aqui, elas vão de alguma forma poder orientar, alguém quiser pouco saber como é estar no Ceará, como é ser de favela aqui”, acredita Mateus.

Ou seja, baseado em recortes da própria vida, ele conta histórias que vão além da individualidade. Afinal, como o próprio título do disco diz, “todos querem viver bem”, não só Mateus. “Eu quero produzir uma obra que contribua para a memória, para a memória do meu estado, da minha cidade, para a memória da negritude brasileira. Eu tenho essa intenção e consciência”, almeja.

No entanto, apesar de saber da importância do que está falando, essa não é uma busca ativa de Mateus como músico. “As minhas composições são muito espontâneas. Eu não costumo encomendar a mim mesmo um tema específico”, diz. “Nada que eu escrevi, sentei e decidi que ia falar sobre um determinado assunto. eu escrevo diariamente, muitas coisas. Eu tenho muitas coisas que escrevo e estão guardadas em blocos de notas e cadernos”, explica.

É a partir dessa deliberada despretensão no escrever que o cantor se encontra — e desencontra — sonoramente na carreira. “Eu acho que muito começa pela minha falta de preocupação em me encaixar direito algum lugar”, pondera o artista que explora o aspecto sonoro que as músicas pedem.

Dessa forma, ele demonstra uma habilidade de passear entre os gêneros, subgêneros e estilos de música distintos no novo disco. O trabalho entrega do hardcore ao ska e Mateus consegue, com a mudança e a experimentação fazer hip-hop e spoken word de uma faixa para a outra. “Os subgêneros são a forma como eu vou trabalhando as músicas. Eles vem neste lugar de eu compor e observar o que as músicas pedem. Elas mesmas vão dizendo”, pondera.

Essa ideia, que surgiu com o conceito do “rock de favela” — um emaranhado de referências das vivências de Mateus que ele junta para criar o próprio conceito de rock — se torna também o trabalho criativo claro de Mateus. Ele entende que a arte dele é viva e precisa se adaptar. “O tempo vai passando e eu vou aprendendo a colocar minha voz e música de diversas formas”, pontua.

Portanto, assim como tantos outros camaleônicos nomes da música brasileira, Mateus vai continuar adaptando o próprio rock para que se adeque as mensagens que espontaneamente quiser passar. O Lá nas Zara Todos Querem Viver Bem terá companheiros nesta jornada. “Enquanto eu tiver histórias para contar, enquanto isso fizer sentido, enquanto eu sentir essa necessidade, vou continuar”, crava