Cícero lança Uma Onda em Pedaços e clipe de “Mente Voa”: fragmentação, recomeços e a beleza no caos

Artista conversa com o Musicalidade sobre o processo criativo

Cinco anos depois do último álbum de inéditas, Cícero retorna com Uma Onda em Pedaços. O novo trabalho chega acompanhado do clipe de “Mente Voa”, faixa em que o músico carioca interpreta um astronauta que caminha pelo Rio de Janeiro ao lado da atriz Ainê Sunna. A estética sci-fi atravessa o olhar poético do artista e, como ele mesmo explica, nasce de um exercício criativo de fuga e acolhimento:

“É sobre deixar a mente voar e encontrar nesse exercício um lugar de acolhimento e alívio. Escrevi versos longos que acabaram ganhando uma cadência de rap, o estilo musical que mais tenho ouvido nos últimos anos. Foi natural que ele estivesse presente nesse álbum”.

A canção integra o novo álbum, que conta ainda com participações de Duda Beat, Tori e Vovô Bebê. A palavra-chave do disco é fragmentação. Ao longo da entrevista ao Musicalidade, o cantor revela que o hiato foi marcado por mudanças intensas:

“Foi o maior período em que já fiquei sem gravar desde os 15 anos. Nesse tempo, muita coisa aconteceu — perdas, pandemia, morar em muitos lugares, dois relacionamentos que começaram e terminaram. Era um estilhaçamento total. Mas isso não é trágico nem maravilhoso: é só a vida acontecendo. Quis transformar essa sensação no disco”.

Para ele, a intenção nunca foi narrar de forma linear. “Eu queria que a pessoa ouvisse e sentisse essa fragmentação, o emocional dela indo cada hora para um lugar diferente. E no final, que ficasse claro que se passou tempo, que houve uma experiência com o tempo”, explica.

A imagem da capa, uma casa em ruínas, reforça esse conceito. “Ruína pode ser fim, mas também começo. É uma obra em processo, algo que está caindo mas também sendo levantado”, comenta Cícero. Ele lembra ainda de conversas com amigos arquitetos que explicaram como o concreto tem prazo de validade, reforçando a metáfora de finitude e reconstrução.

Uma Onda em Pedaços passeia por forró, rap, canção clássica e experimentações. Esse trânsito, segundo o músico, é consequência de mais de duas décadas de prática.

“Depois de 20 anos gravando discos, você acaba desenvolvendo uma linguagem. Mas também pode se empobrecer por excesso de linguagem. Eu tento manter duas premissas: não fazer música por fama ou dinheiro, mas pelo exercício do belo; e só seguir adiante se eu estiver empolgado com a ideia. Isso preserva a essência”.

Essa postura explica a variedade de estilos no álbum — e também escolhas ousadas, como o uso de um sample de Brahms em “Meu Amigo Harvey”. “É a primeira vez que eu sampleei um clássico mesmo, tirando direto do vinil. Mas fui torcendo e transformando até virar outra coisa. Sempre gostei da cultura do flow, do hip hop, e esse disco foi o momento de trazer isso mais à tona”, conta.

Na visão do artista, o álbum funciona como uma espécie de experimento temporal:

“Música é uma janela no tempo. Durante aqueles minutos, você cria outra relação com ele. Eu queria que esses 30 minutos fossem uma experiência de fragmentação, de não linearidade, em que nada é muito claro, mas tudo é sentido”.

Além do lançamento, Cícero se prepara para rodar o país a partir de outubro, com shows em Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Salvador, Fortaleza e outras cidades, além de Portugal em dezembro. A nova turnê vai unir o peso da banda ao suporte tecnológico das projeções.

“Eu gosto de guitarra, baixo e bateria, mas também gosto do computador ajudando a criar uma integração com a luz e a cena. Dessa vez, quero fundir as duas coisas”, adianta.