A reportagem do g1, assinada por Marília Neves e Carol Prado, revelou que Marília Mendonça deixou material suficiente para sustentar lançamentos inéditos por até duas décadas. São registros de estúdio, gravações caseiras e lives que, segundo o empresário Wander Oliveira, podem render cerca de dez músicas inéditas por ano. O dado escancara a dimensão de uma carreira interrompida precocemente em 2021, mas que segue viva no imaginário popular e na força de sua obra.
A discussão sobre lançamentos póstumos não é nova na indústria da música. No caso de Marília, o acervo gera debates entre família, gravadora e empresários sobre como e quando tornar público esse repertório. A tensão, simbolizada pela disputa em torno de um pen drive com mais de cem arquivos inéditos, reflete a delicada linha entre homenagem, preservação artística e exploração comercial. É um dilema comum a muitos ídolos que partiram cedo, mas cuja voz permanece como um patrimônio coletivo.
Exemplos internacionais mostram que o pós-vida pode se transformar em um capítulo à parte da trajetória de um artista. Tupac Shakur, assassinado em 1996, já teve mais álbuns lançados após sua morte do que em vida, tornando-se um dos maiores símbolos da cultura hip-hop global. Prince, cuja morte em 2016 revelou um “cofre” com milhares de canções nunca divulgadas, segue despertando interesse do público e disputas entre herdeiros. No Brasil, a história de Sabotage ecoa de forma semelhante: morto em 2003, o rapper paulistano ainda mobiliza fãs e críticos com obras póstumas que reforçam seu papel como lenda do rap nacional.
Marília Mendonça se insere nessa tradição de vozes que continuam a dialogar com o presente, mesmo ausentes fisicamente. A comoção em torno de músicas como Leão — a mais ouvida por brasileiros nas plataformas digitais — mostra que não se trata apenas de nostalgia, mas de relevância artística renovada. O desafio, daqui em diante, será equilibrar o respeito à sua memória com a ansiedade do público por novidades, construindo uma narrativa que faça jus ao impacto cultural da “rainha da sofrência”.