Quando a música deixa de ter dono: IA em lojas acende alerta na indústria

Trilha sonora criada por algoritmos levanta debates sobre direitos autorais, remuneração e o futuro da criatividade na música

As músicas geradas por inteligência artificial chegaram às prateleiras — e não apenas no sentido figurado. Reportagem do g1 mostrou que redes de varejo já estão usando trilhas sonoras criadas por algoritmos em vez de artistas de carne e osso, levantando uma série de dúvidas sobre direitos autorais, remuneração e até sobre o que significa “criar música” em 2025.

Para o consumidor comum, a mudança pode passar despercebida: são faixas que soam familiares, lembrando nomes como Gilberto Gil ou Jorge Ben Jor, mas sem uma assinatura reconhecível. Foi o que percebeu o rapper Don L, ao identificar em uma loja músicas que imitavam estilos consagrados, mas com letras “esquisitas” e sem registro em aplicativos de reconhecimento.

O dilema central está no fato de que a execução de música em espaços comerciais exige o pagamento de direitos ao Ecad. A entidade já afirmou que continuará cobrando dos lojistas, mesmo quando as faixas forem criadas por IA. A questão é: para quem esse dinheiro será repassado, se não há um autor definido? Modelos de repartição internacional sugerem dividir entre quem criou o comando (prompt) e os artistas cujas obras serviram de base, mas nada está decidido no Brasil.

Para os artistas, há duas preocupações principais. A primeira é a do plágio diluído: a máquina mistura várias referências e gera algo novo, mas sustentado em criações pré-existentes. A segunda é o risco de que a arrecadação se concentre ainda mais nos grandes nomes, enquanto criadores independentes fiquem de fora. Para Don L, essa lógica limita a criatividade, pois a IA só consegue recombinar o que já existe.

Já o mercado vê vantagens claras. A música feita por IA oferece trilhas personalizadas, de baixo custo e moldadas ao perfil do consumidor, fortalecendo a ideia de “trilha do consumo” que guia o tempo de permanência em lojas e restaurantes. Isso reduz gastos com estúdios e músicos, colocando em xeque uma cadeia produtiva que já enfrenta fragilidade no Brasil.

Sem regulação clara, o cenário é de insegurança jurídica. Enquanto artistas cobram transparência e proteção, empresas argumentam que não há lei que as impeça de usar músicas geradas por IA. O Congresso discute um marco regulatório, mas até lá, a música que toca enquanto fazemos compras será também o som de um embate sobre o futuro da criatividade e da economia cultural.