Pelados entra em consenso de quais músicas vão mandar para o espaço no disco Contato

A banda paulistana colabora para discutir os sentimentos intensos das coisas simples em quinto álbum de estúdio

Formada por cinco cabeças pensantes — Lauiz (programações e synths), Vicente Tassara (guitarra), Helena Cruz (baixo), Theo Cecato (bateria) e Manu Julian (vocal) — a banda Pelados é uma das mais bem-humoradas da atual geração da música brasileira. Juntando ideias como se fossem um só, chegaram ao disco Contato, o quinto trabalho de estúdio do grupo, em que fazem de tudo para mandar a própria música para o espaço.

A verdade é que a história da música no espaço é uma ficção criada pelos próprios integrantes da Pelados para ter liberdade de falar sobre tudo o que queriam e, de alguma forma, concatenar musicalmente temas distintos. “Um disco mandado para o espaço é um disco que cabe tudo, porque ele é feito para representar a experiência humana. Essa foi a grande graça” (“A record sent into space is a record that can hold everything, because it is made to represent the human experience. That was the big fun”), reflete Vicente Tassara em entrevista ao Musicalidade. “Apesar disso tudo ser uma ideia ficcional, as músicas coagulam uma certa vibe” (“Even though this is all a fictional idea, the songs coagulate a certain vibe”), complementa.

Os assuntos que queriam abordar eram variados, desde críticas profundas e o terror de como as grandes empresas afetam suas vidas até coisas e sentimentos mais simples. O resultado foi um disco que trata problemas reais e relacionáveis com um bom humor peculiar e compartilhado pelos integrantes. “Existem coisas muito difíceis, complexas, que podemos refletir sobre horas e, às vezes, temos que explicar para os nossos pais e pessoas de outras gerações, mas que também podemos tratar com leveza e brincar” (“There are very difficult, complex things that we can reflect on for hours and, sometimes, we have to explain to our parents and people from other generations, but that we can also approach with lightness and playfulness”), acredita a vocalista Manu Julian.

Desde críticas bem-humoradas à rede de lojas de conveniência Oxxo até um sentimento profundo sobre a derrota do Brasil na Copa do Mundo de 2022, a banda encontrou no mundano dores e emoções universais e regou tudo com nonsense. “Trazer essas referências malucas e bases cheias de ideias profundas é uma intenção, mas no fundo o que a gente quer é que o pessoal escute e se sinta muito mexido com uma letra sobre o Modric” (“Bringing these crazy references and bases full of deep ideas is intentional, but deep down what we want is for people to listen and feel deeply moved by a lyric about Modric”), afirma Manu, mencionando a faixa que leva o nome do capitão da seleção croata em 2022, um dos símbolos da eliminação do Brasil naquela competição.

“As pequenas idiotices vão muito longe nas letras dos Pelados” (“The little stupidities go a long way in Pelados’ lyrics”), crê Lauiz, que percebe algo de profunda reflexão na superficialidade. “Às vezes, os sentimentos e momentos mais intensos da nossa vida vêm dos detalhes mais fúteis. Um detalhe que é devastador tem o resultado oposto de uma piada interna” (“Sometimes the most intense feelings and moments of our lives come from the most trivial details. A detail that is devastating has the opposite effect of an inside joke”), analisa o tecladista. “Você pode falar muito mais sobre você em uma música sobre o Modric do que se você sentar na intenção de escrever uma música linda” (“You can say a lot more about yourself in a song about Modric than if you sit down intending to write a beautiful song”), completa.

Uma banda com tantos membros ativamente pensando cada música tem o lado da criatividade aflorado, mas também o conflito de ideias e opiniões. “As coisas são muito discutidas, acordos vão sendo feitos e a gente vai chegando onde a gente chega em prol do bem comum. A gente faz de tudo para todo mundo ficar o mais feliz possível” (“Things are very discussed, agreements are made, and we get where we get for the greater good. We do everything so that everyone can be as happy as possible”), conta Manu. “O interessante de você brigar por uma ideia em uma banda democrática é que você tem que acreditar no que está brigando, porque senão sobra para todo mundo” (“The interesting thing about fighting for an idea in a democratic band is that you have to believe in what you’re fighting for, otherwise it falls on everyone”), acrescenta Theo Cecato.

O conflito, no entanto, é em prol do lado estético e fonográfico. Cada integrante quer trazer suas próprias ideias para que o resultado agrade a todos, sem perder a personalidade e originalidade de quem deu o pontapé inicial na canção. “No fundo, nem tudo é construtivo, mas há uma discussão estética de por que algo pode ser melhor para alguma música. No fundo, a construção da coisa vem muito a partir disso” (“Not everything is constructive, but there is an aesthetic discussion about why something might be better for a song. At its core, the construction comes from that”), diz Theo, que acredita muito na profundidade dessa discussão. “É como se fossem dois poetas brigando em uma mesa de bar, mas é a gente brigando em um estúdio” (“It’s like two poets fighting at a bar table, but it’s us fighting in a studio”), compara.

Por esse motivo, as discussões se acaloram durante o processo, que, por conta do resultado divertido, pode parecer descontraído, mas não é exatamente assim. “Durante a gravação o clima não é tão ameno, mas é pelo carinho intenso e o amor que a gente sente” (“During the recording the atmosphere is not so smooth, but it’s because of the intense affection and love we feel”), diz Lauiz. “Lauiz saiu e voltou para a banda três vezes, Vicente se demitiu, ninguém se gosta mais (risos)” (“Lauiz left and returned to the band three times, Vicente quit, nobody likes each other anymore (laughs)”), brinca Theo.

O produto final, porém, realmente carrega o toque de cada um dos envolvidos. “Esse disco foi uma colagem. Se você for olhar as composições da banda, tem muita colaboração que muitas vezes foi feita ao longo do tempo. É a letra de um, a ponte de outro, melodia de outro” (“This record was a collage. If you look at the band’s compositions, there’s a lot of collaboration that was often done over time. It’s one’s lyrics, another’s bridge, another’s melody”), revela Helena, que aponta que a união não necessariamente traz força, mas sim coragem de enfrentar o mundo. Enquanto houver Pelados, nenhum dos cinco estará só. “O disco é sobre conseguir falar junto o que a gente não consegue falar sozinho” (“The album is about being able to say together what we can’t say alone”), exalta.