Conheça Mestrinho: o herdeiro da sanfona que transforma tradição em poesia sonora

Do sertão sergipano aos palcos de Gilberto Gil, o músico constrói uma linguagem única entre o forró, o jazz e a música popular brasileira

Nascido em Itabaiana, Sergipe, Mestrinho cresceu embalado pelos sons que moldaram sua identidade musical desde a infância. Neto de Manezinho do Carira e filho do sanfoneiro Erivaldo, foi cercado pela música popular nordestina como parte de sua rotina familiar e cultural. Aos seis anos, já manejava a sanfona com desenvoltura surpreendente; aos 12, circulava por palcos regionais, absorvendo não apenas o legado do forró, mas também as possibilidades de transgressão e invenção que mais tarde marcariam seu estilo.

Suas primeiras experiências de destaque vieram com o Trio Juriti, formado ao lado da irmã Thaís. O projeto reafirmou a força do forró tradicional, mas também abriu espaço para experimentações autorais, em que a sanfona se tornava voz narrativa, quase personagem, conduzindo melodias ora explosivas, ora contemplativas. Nos discos e apresentações do grupo, Mestrinho já revelava uma inquietação criativa: a vontade de expandir fronteiras, de criar pontes entre a cultura popular do sertão e linguagens universais como o jazz e a música instrumental contemporânea.

Ao longo dos anos, o músico construiu uma trajetória que dialoga com mestres de diferentes gerações. De Dominguinhos, herdou a doçura, o balanço e a sensibilidade que transformam a sanfona em extensão da alma. De Hermeto Pascoal, capturou a ousadia e a liberdade para explorar timbres e harmonias inesperadas. De Gilberto Gil e Milton Nascimento, absorveu o olhar universal da música brasileira, a ideia de que tradição e modernidade podem conviver na mesma obra. O resultado é um estilo híbrido, que carrega a memória nordestina e a reinventa em cada novo trabalho.

Hoje, Mestrinho se apresenta como uma das figuras mais respeitadas da cena brasileira. Sua presença nos palcos não se limita ao virtuosismo instrumental: ele transmite emoção, generosidade e poesia. Ao lado de Gilberto Gil, na turnê de despedida do artista baiano, ocupa um lugar de destaque, não apenas como acompanhante, mas como voz própria que dialoga com um dos maiores cânones da MPB. Cada acorde que toca reverbera como herança e, ao mesmo tempo, como promessa de futuro.

A importância de Mestrinho também se reflete em suas colaborações e produções. Já gravou e se apresentou com nomes de peso, transitando entre diferentes gêneros, sempre mantendo sua assinatura musical. Sua versatilidade o levou a ser reconhecido como um sanfoneiro que ultrapassa a condição de instrumentista regional e se afirma como artista global, capaz de dialogar com públicos diversos sem perder a raiz.

Além dos palcos, sua obra é marcada por arranjos e composições que evidenciam a profundidade de seu olhar. Mestrinho traduz em música as experiências, contradições e riquezas do Nordeste, mas também oferece ao ouvinte a possibilidade de enxergar além das fronteiras geográficas. Suas canções falam de pertencimento, de memória, de celebração da vida cotidiana, ao mesmo tempo em que ressoam em contextos urbanos e cosmopolitas.

A cada apresentação, Mestrinho reafirma a sanfona como protagonista da música brasileira. O instrumento, tantas vezes relegado ao papel de acompanhamento, encontra em suas mãos a condição de voz plena, capaz de cantar alegrias, dores e esperanças. Essa dimensão artística é o que o torna não apenas herdeiro de uma tradição, mas também responsável por renová-la e projetá-la para o futuro.

Entre o forró e o jazz, entre o sertão e os grandes festivais internacionais, Mestrinho construiu uma identidade que une mundos aparentemente distantes. Ele é, ao mesmo tempo, guardião e inovador, um artista que preserva raízes sem abrir mão da liberdade criativa. Em cada acorde, uma ponte; em cada canção, um gesto de resistência e de beleza.

Assim, conhecer Mestrinho é compreender um pedaço fundamental da música brasileira contemporânea. Ele mostra que tradição não é repetição, mas reinvenção; e que a sanfona, em suas mãos, é mais do que instrumento — é poesia sonora em movimento, capaz de emocionar e transformar quem a ouve.