A nova geração de parcerias da música brasileira acaba de ganhar um capítulo inesperado. Lô Borges, um dos nomes centrais do Clube da Esquina, lançou o álbum Céu de Giz – Lô Borges convida Zeca Baleiro, um encontro que une dois compositores de trajetórias distintas, mas complementares. O projeto traz dez canções inéditas, todas compostas a partir das melodias de Lô e das letras de Zeca, que também divide os vocais em cinco faixas. O resultado é um disco que se coloca como um diálogo entre gerações, estéticas e visões de mundo.
O encontro nasceu de forma quase casual: Lô, conhecido por sua rotina incansável de composição, pensou em Baleiro ao terminar uma nova melodia. Após mais de 20 anos sem contato direto, os dois retomaram a conversa pela internet e, em poucas semanas, já tinham diversas músicas prontas. Essa rapidez é sintomática de uma fase rara de fertilidade criativa para Lô, que, desde 2019, lançou sete álbuns de inéditas — um feito notável em um mercado cada vez mais pautado por singles e colaborações pontuais.
Se a inspiração de Lô é inesgotável, a contribuição de Zeca Baleiro trouxe novas camadas para a parceria. O compositor maranhense escreveu letras que abordam desde a crise climática e o impacto das big techs até reflexões íntimas sobre afeto e liberdade. Essa interseção entre o lirismo de Lô e a observação aguda de Baleiro gerou um repertório que equilibra delicadeza e crítica, sem perder a força melódica que sempre caracterizou o mineiro.
O contraste entre as vozes dos dois é outro destaque do disco. Faixas como Antes do Fim, Santa Tereza e Donos do Mundo ganham densidade com a união do timbre agudo de Lô e da voz grave de Baleiro. A dobradinha reforça a sensação de frescor de um projeto que, mesmo nascido da urgência criativa, soa lapidado e atual.
Musicalmente, o álbum mantém a tradição de gravação “ao vivo em estúdio”, com todos os músicos tocando juntos, o que garante organicidade às faixas. Esse método confere proximidade ao ouvinte e evoca a energia das sessões históricas do Clube da Esquina, mas em diálogo com a produção contemporânea.
As letras também refletem esse espírito de tempo. Enquanto Zumbis traz uma pegada mais roqueira e crítica sobre o ritmo da vida moderna, Seda remete ao lirismo onírico do Clube. Tá Tudo Estranho Demais busca afeto em um mundo de conflitos, enquanto Estrelas Vadias presta homenagem à poesia e à imaginação. O equilíbrio entre referências e atualidade ajuda a construir um álbum que revisita memórias sem abrir mão de olhar para frente.
Essa capacidade de reinvenção explica por que Lô Borges vive hoje um dos momentos mais intensos de sua carreira. Com um fluxo de lançamentos que poucos artistas veteranos mantêm, ele demonstra não apenas vitalidade criativa, mas também a necessidade de dialogar com novas vozes e perspectivas. Zeca Baleiro, por sua vez, acrescenta ao encontro um olhar poético que dialoga com questões universais, ampliando o alcance do projeto.
Mais do que uma simples parceria, Céu de Giz se torna um marco de como colaborações inesperadas podem revitalizar trajetórias. Em um mercado em que muitos encontros são frutos de estratégias de marketing, a naturalidade dessa união reforça seu caráter único.