Quando o vocalista do Blur, Damon Albarn, e o quadrinista Jamie Hewlett, criador da HQ Tank Girl, idealizaram o Gorillaz no fim dos anos 1990, a ideia parecia uma provocação. Dois amigos em Londres, incomodados com a superficialidade do pop televisivo, imaginaram um grupo fictício que pudesse satirizar a indústria musical. O que surgiu, porém, foi muito maior: uma das bandas mais influentes e visionárias da cultura pop do século XXI.
Formado por quatro personagens animados (2-D, Murdoc Niccals, Noodle e Russel Hobbs), o Gorillaz rapidamente se destacou por criar não apenas músicas, mas um universo narrativo. Biografias fictícias, videoclipes em animação, sites interativos e até livros transformaram o projeto em uma experiência transmídia pioneira, anos antes de termos conceitos como “metaverso” ou “avatar digital” circulando no mainstream.
O álbum de estreia, Gorillaz (2001), foi uma revolução estética e sonora, misturando hip hop, dub, rock alternativo e música eletrônica. O sucesso de faixas como Clint Eastwood e 19-2000 abriu caminho para a consagração definitiva com Demon Days (2005), disco que trouxe colaborações de peso e canções como Feel Good Inc. e DARE, convertendo a “banda de desenhos” em um fenômeno global. A crítica política e social também se tornou marca registrada, como ficou ainda mais evidente em Plastic Beach (2010), um manifesto sobre consumismo e crise ambiental, que reuniu nomes como Lou Reed, Snoop Dogg e Bobby Womack.
Mais de duas décadas depois, o Gorillaz segue como um laboratório criativo que desafia padrões da música. Discos como Humanz (2017) e Song Machine (2020) mantiveram a essência colaborativa, refletindo um mundo em crise e, ao mesmo tempo, expandindo fronteiras entre arte, tecnologia e música. Se no início eram vistos como uma sátira, hoje Albarn e Hewlett podem ser creditados como visionários que anteciparam a fusão entre identidade digital e expressão artística.
Essa visão de futuro também conecta o Gorillaz à geração TikTok, onde artistas virtuais, avatares e vozes sintéticas passaram a ocupar espaço central. O projeto pavimentou o caminho para fenômenos como Hatsune Miku, Lil Miquela e até os recentes personagens criados por inteligência artificial. Mais do que uma curiosidade estética, o Gorillaz mostrou que a música pode existir para além da carne e osso, habitando narrativas digitais que continuam moldando como o público jovem consome, compartilha e cria música no século XXI.