A casa que inspirou Vinicius de Moraes: do improviso infantil à Casapueblo de Vilaró

Poema “A Casa” nasceu de versos improvisados na residência‑escultura do artista uruguaio Carlos Páez Vilaró, que hoje é museu, galeria e hotel

Pouca gente sabe, mas uma das canções infantis mais queridas do Brasil surgiu de uma visita a um cartão‑postal uruguaio. Em 1980, Vinicius de Moraes lançou a música “A Casa” no disco Arca de Noé — aquela que começa com os versos: “Era uma casa muito engraçada / Não tinha teto, não tinha nada…”. Na versão original, no entanto, a letra terminava de forma diferente: “Mas era feita com pororó / Era a casa de Vilaró”. A referência é à Casapueblo, obra monumental do artista plástico Carlos Páez Vilaró, cuja arquitetura fantasiosa inspirou o poeta.

Vinicius conheceu Vilaró nos anos 1960, quando servia como diplomata em Montevidéu. A amizade perdurou, e na década de 1970 o poeta e Toquinho fizeram uma série de shows na Argentina e no Uruguai, hospedando‑se na casa que Vilaró construía à beira do oceano. Em uma manhã, para divertir as filhas do artista, Vinicius improvisou a trova infantil que mais tarde se tornaria “A Casa”. O final original com menção ao amigo uruguaio acabou sendo suprimido na gravação, mas a história ficou preservada em relatos e visitas à Casapueblo.

A Casapueblo começou a ser erguida em 1958 em Punta Ballena, perto de Punta del Este. Vilaró ampliou a construção ao longo de décadas, acrescentando cômodos conforme surgiam novas ideias ou amigos vinham de longe. O artista pintou tudo de branco para que o prédio dialogasse com o azul do céu e o definiu como uma “escultura habitável”. Hoje, o conjunto abriga um museu, uma galeria de arte, uma cafeteria e um hotel com cerca de 70 quartos, cada um batizado com o nome de um visitante célebre — entre eles Pelé, Brigitte Bardot, Alain Delon, Robert De Niro e o próprio Vinicius de Moraes. Segundo a filha do artista, Beba Páez Vilaró, “Casapueblo tem a alma de Vinicius”.

Vinicius de Moraes morreu em 1980, o mesmo ano em que “A Casa” foi lançada. Carlos Páez Vilaró continuou a expandir sua obra até 2014, quando faleceu aos 91 anos. O prédio, com suas formas orgânicas e terraços voltados para o pôr do sol, tornou‑se a atração turística mais visitada do Uruguai. Além de inspirar um clássico infantil, a Casapueblo permanece viva como exemplo de diálogo entre arquitetura, escultura e paisagem natural. A história mostra como a música brasileira, mesmo em suas canções mais simples, se conecta a encontros improváveis e a obras de arte que atravessam fronteiras.