Apeles revisita a carreira e experimenta a vulnerabilidade da solitude em Cru

O disco compila faixas de vários álbuns do projeto musical de Eduardo Praça em uma gravação simples, mas intensa, realizada em estúdio nos Estados Unidos

O projeto musical Apeles precisou de apenas duas horas para ser condensado em um estúdio. Durante uma viagem a Los Angeles em abril de 2025, Eduardo Praça registrou 10 faixas compostas desde 2015 no White Noise Studio. O resultado é Cru, um compilado que revisita sua trajetória artística sob o nome Apeles e apresenta o músico de forma vulnerável e despida de adornos.

O estúdio, comandado pelo brasileiro Leonardo Marques, parceiro de longa data de Eduardo, é especializado em gravações analógicas e guarda equipamentos históricos, incluindo microfones usados por Frank Sinatra. Para Praça, essa atmosfera de olhar para o passado foi determinante. “Sempre gostei muito disso, sempre quis trazer esse elemento. Acho que a palavra nostalgia está presente em absolutamente todas as coisas que eu fiz na minha carreira, de qualquer banda, de qualquer coisa”, afirma em entrevista ao Musicalidade.

Gravar em fita, sem retoques digitais, reforçou a espontaneidade do processo criativo. “Você coloca pra jogo a espontaneidade, a sua criatividade no susto, na pressão, assim, de um jeito que você não consegue controlar muito. Quando você tá num ambiente digital, você pode voltar, você pode editar, você pode fazer um monte de coisa”, explica o músico. Essa urgência foi o que permitiu que o álbum fosse registrado em tão pouco tempo.

A proposta de Cru nasceu também do desejo de reduzir a complexidade sonora que se acumulou nos trabalhos anteriores. “Um monte de coisa foi somando no processo de produção, deixando cada vez mais complexo. Chegou num ponto que eu falei: ‘como seria fazer tudo isso de novo do jeito mais despido possível?’”, recorda. Para Eduardo, foi “o processo mais espontâneo” de sua carreira.

Esse despojamento trouxe de volta não apenas as composições, mas também as memórias ligadas a cada uma delas. “Foi uma total vulnerabilidade gravar, ter que recordar como eram os acordes, ler letra de novo, revisitar um período da minha vida que era muito diferente do meu hoje. Foi um processo bem gostoso”, avalia. O objetivo, segundo ele, era mostrar o processo de composição em sua forma mais crua.

O repertório atravessa diferentes fases da carreira do artista, desde a época do Quarto Negro até o disco mais recente, ESTASIS. Sem arranjos grandiosos, a ênfase recai sobre a mensagem e as letras. “Resumo de uma era do jeito mais despido possível”, define Eduardo, que agora direciona parte de sua energia criativa para a Ludovic, banda seminal que não lança um álbum longo desde 2006.

Ainda assim, Cru abre novas possibilidades para o futuro da Apeles. “Eu não digo que estou encerrando uma era, mas esse é provavelmente um lugar novo pra mim”, reflete. A simplicidade também atende a um desejo prático: facilitar a realização de shows pelo Brasil. “Com o projeto normal da Apeles, que tinha quatro, cinco pessoas no palco, havia muita dificuldade logística e financeira. A ideia desse álbum era rodar mais”, explica. Para isso, investiu em novos equipamentos e já planeja transformar o disco em uma série de apresentações intimistas.