Até pouco atrás, a expressão “la papota” era conhecida na Argentina por fazer referência a anabolizantes, esteroides e demais suplementos utilizados por quem deseja conquistar músculos de forma rápida. Agora, ela também se associa aos amigos Ca7riel y Paco
Amoroso, que de forma paralela, apertaram os cintos em sua corrida pelo sucesso.
Foi com essa mesma gíria que eles batizaram seu álbum de estúdio mais recente. Em uma bizarra odisseia, que se desdobra entre inquietações da contemporaneidade, eles incorporam composições inéditas ao áudio da apresentação que realizaram, no início do ano, nos estúdios da rádio norte-americana NPR, para a série Tiny Desk.
São nove faixas no total. Quem vai ao YouTube procurar o registro do referido mini show, que já soma mais de 40 milhões de reproduções, se depara, antes de qualquer coisa, com um alerta sobre sua linguagem explícita. O mérito de Ca7riel e Amoroso está precisamente aí, na língua afiada, bem como em sua capacidade de humanizar narrativas caóticas, capazes de provocar rápida identificação.
Ao dar play em suas canções, além de constatar um carisma que transcende o visual, fica claro como a dupla não tem a menor pretensão de ostentar uma grande potência vocal ou mesmo o já clássico apego por uma pseudo-perfeição formalista. Ao contrário: desviantes, mostram-se desinteressados em seguir tendências de uma música latina que vem sendo consumida mundo afora, tradicionalmente palatável e difundida em mercados como os Estados Unidos.
Quando cantam, riem de si mesmos ao compartilhar ansiedades, sonhos e percepções pessoais. Em suas palavras, as pressões da fama podem muito bem estabelecer um vínculo com as que vêm encarando a geração Z — que, diferente daqueles que vieram antes, não fazem a menor cerimônia para rechaçá-las.
Como uma espécie de jazz moderno, o single IMPOSTOR, por exemplo, ironiza o excesso de atenção e sua principal consequência: a necessidade de se manterem no topo, sempre validados. Logo nos primeiros versos, cravam:
“¿Ahora, qué vamos a hacer?, tenemos que mentir (Agora, o que vamos fazer? Teremos que mentir) / Solo soy un impostor, just a little bit (Sou só um impostor, um pouquinho) / La gente se emocionó, abuela haciendo TikTok (As pessoas se emocionaram, a vovó fez um TikTok) / ¿Y ahora qué vamos a hacer?, el Tiny Desk me jodió (E agora, o que vamos fazer? O Tiny Desk nos fudeu) / Si yo no sé ni cantar (Se eu nem sei cantar) / Y yo no sé ni rapear (E eu nem sei fazer raps) / El futuro pinta mal (O futuro não é promissor) / ¿Cómo se dice? (Como se diz?) / Fucked up! (Fudeu!)”
Seria mesmo muito alto o preço a se pagar pelo êxito? Apesar dos prognósticos, essa metáfora para falar de atalhos e fraquezas vem sendo conveniente para ambos. Em ritmo frenético, chegaram a palcos como o do festival Lollapalooza, que os trouxe pela primeira vez ao Brasil. Foi a única atração de língua espanhola a integrar o lineup na edição de 2025, mas também o passaporte para novas visitas, anunciadas na sequência. No mês de setembro, nos dias 17 e 18, eles se apresentam em São Paulo e no Rio de Janeiro, respectivamente. Os ingressos voaram.
Antes, os dois também dividiram o palco com o venezuelano Gustavo Dudamel, respeitado regente à frente da Orquestra Filarmônica de Los Angeles. Em julho, viajaram ao Reino Unido, a convite do Festival Glastonbury. “Nossas vidas mudaram completamente em seis meses”, disse Ca7riel, durante entrevista à rede BBC. Ao espanhol El País, Amoroso foi ainda mais categórico: “Todos dizem que somos geniais, mas não nos esquecemos de que a qualquer momento tudo pode ir para a merda”.
Amigos desde os tempos da escola primária, Catriel Guerreiro e Ulises Guerriero (assim mesmo, com sobrenomes quase idênticos) frequentavam, na companhia um do outro, não apenas as aulas regulares. Matriculados em classes de música, dedicaram-se aos estudos de guitarra e violino, até que a ideia de seguir uma carreira musical lhes pareceu, pela primeira vez, algo concreto. Era o ano de 2011.
Uma vez influenciados por Luis Alberto Spinetta (1950–2012), el flaco, formaram a banda Astor y las Flores de Marte. Hoje satirizada, a popularidade que sonhavam alcançar na Argentina não seria assim tão repentina: só chegaria em meados de 2018, quando se transformaram, de fato, em Paco y Ca7riel. O apelo foi gigantesco, impulsionado por uma estética marcada por exageros e que rapidamente viralizou. Tempos depois, na era PAPOTA, conduziria até mesmo um curta-metragem homônimo.
A primeira apresentação do duo, tal como o conhecemos, aconteceria no Estádio Obras Sanitarias — o mesmo local que, décadas antes, recebera multidões fanáticas por nomes como Charly García, Soda Stereo e o próprio Spinetta. Agora, eram eles quem teriam uma plateia voraz à sua espera, com ingressos esgotados.
Em BAÑO MARÍA (2024), o primeiro disco, ficou claro como fugir do óbvio poderia ser encontrar não apenas um novo ponto de atração, mas também a liberdade necessária para dar vazão a uma natureza explosiva, que devolve aos beats a possibilidade de despertar a criatividade.
Foi assim que criaram faixas como DUMBAI, conduzida pelo dembow; BABY GANGSTA, drum & bass cheio de atitude; bem como MI DIOSA, funk brasileiro com alma portenha. Por ora, Paco & Ca7riel seguem a todo vapor, apoiando-se em algo infalível: seu deslocamento entre o que se considera mainstream e o que é underground não só pode, como deve ser usado a favor. Para eles, a esquisitice parece ter aura de trunfo.