Essenciais Musicalidade: Fa-tal: Gal A Todo Vapor – Gal Costa

Gravação ao vivo inesquecível de Gal Costa transporta o ouvinte para um tempo passado a partir do impacto artístico e das imperfeições da gravação

A virada dos anos 1960 para os 1970 na música brasileira ficou marcada pelo entendimento dos shows de música como espetáculos. Entre os grandes títulos, um ficou registrado para a eternidade da mesma forma como era visto e ouvido na época. O show Fa-tal: Gal A Todo Vapor é um dos mais impactantes do período e peça essencial da discografia de Gal Costa. Ainda hoje chama atenção por transportar o público para uma das eras de ouro da música brasileira.

Conhecida como Gal Fatal, ou apenas Fatal, essa foi a série de apresentações da cantora no Teatro Tereza Rachel, no Rio de Janeiro. Com algumas das faixas mais importantes lançadas até então somadas a versões de canções marcantes da época, Gal consolidou seu nome definitivamente na história da música brasileira. O espetáculo ficou em cartaz durante todo o mês de outubro de 1971.

Relatos da época falam sobre a força sobrenatural que era Gal no palco e de um sucesso que lotava a casa, tornando difícil conseguir lugar para assistir ao espetáculo. O show apresentou arranjos exclusivos de algumas músicas, que só puderam ser vividos ali. Destacam-se a perspectiva jazz de mais de oito minutos para “Vapor Barato”, um rock mais pesado em “Dê Um Rolê” e as duas versões distintas de “Como 2 e 2”. Além disso, Gal ofereceu leituras únicas de composições de Jards Macalé, Caetano Veloso, Roberto Menescal, Moraes Moreira, Luiz Gonzaga, Erasmo Carlos, Roberto Carlos e Jorge Ben — cada uma delas transformada em experiência histórica.

Esse show já seria considerado um ponto de virada se fosse apenas uma vivência efêmera de 1971. No entanto, foi lançado como disco, com Gal acompanhada pelas guitarras de Lanny Gordin, a bateria de Jorginho Gomes, o baixo de Novelli e as tumbadoras de Baixinho. O registro se tornou um dos álbuns ao vivo mais marcantes da cultura nacional, transformando um acontecimento passageiro em legado eterno.
O curioso é que a gravação — lançada primeiro em vinil e depois em diversas mídias conforme a evolução do consumo musical — não possui a qualidade técnica de outros álbuns ao vivo. A plateia mal se ouve, há imperfeições de som e o volume chega a ser baixo até mesmo para os padrões da época.

Esse aspecto de bootleg, termo usado para gravações imperfeitas e distribuídas sem padrão comercial, dá ao Fatal ainda mais importância. Ouvir o disco é ouvir também o Brasil de 1971. Mais do que um grande show, com versões únicas de canções lendárias, o álbum é um retrato de época, uma cápsula sonora que preserva o espírito de seu tempo.
Para quem busca a interpretação cristalina de Gal Costa, basta recorrer às gravações de estúdio. Mas ouvir Fa-tal é acessar a memória viva da música brasileira. Um álbum que vai além das canções: transmite o sentimento de um Brasil passado, reavivado em cada faixa.

A arte é guardiã da memória, e sem a música brasileira, muitos episódios se perderiam no esquecimento. Fa-tal: Gal A Todo Vapor é uma obra que devolve o Brasil de 1971 e a potência artística de Gal Costa a quem desejar reviver esse momento. Um disco imperfeito, mas que eterniza a força de um espetáculo histórico.