Garbage e a possibilidade de um fim silencioso: um legado marcado pela reinvenção

Banda anuncia que próxima turnê nos EUA pode ser a última, e abre reflexão sobre três décadas de carreira no rock alternativo

A notícia pegou os fãs de surpresa: em uma publicação recente nas redes sociais, o Garbage anunciou que sua próxima turnê pelos Estados Unidos pode ser a última. Embora o grupo não tenha cravado um encerramento definitivo, a mensagem soou como um presságio de despedida. “Nada permanece igual para sempre. Todas as coisas bonitas chegam ao fim”, escreveram. É um anúncio que, mesmo envolto em incerteza, convida à reflexão sobre três décadas de carreira de uma das bandas mais emblemáticas do rock alternativo.

Desde a estreia em 1995 com o álbum Garbage, Shirley Manson, Duke Erikson, Steve Marker e Butch Vig criaram uma sonoridade única, que mescla guitarras pesadas, batidas eletrônicas e um lirismo sombrio, mas cativante. Essa fusão de rock e pop industrial tornou o grupo um dos símbolos da música alternativa dos anos 1990, colocando faixas como Stupid Girl, Only Happy When It Rains e Push It entre hinos de uma geração que buscava um som mais ousado e multifacetado.

O possível desfecho da trajetória da banda acontece no momento em que eles acabam de lançar seu oitavo álbum de estúdio, Let All That We Imagine Be The Light. O trabalho traz um Garbage mais maduro, mas ainda fiel à identidade que os consagrou: camadas sonoras complexas, sintetizadores analógicos e letras que oscilam entre a crítica e a esperança. Shirley Manson descreveu o disco como uma reflexão sobre a fragilidade da vida, em um esforço de encontrar luz em meio ao caos do presente.

Essa narrativa conecta o Garbage de hoje ao Garbage do passado. Enquanto No Gods No Masters (2021) era marcado pela fúria e pelo tom político, Let All That We Imagine Be The Light surge como um contraponto: ainda sombrio, mas com uma pulsão construtiva. “Quando eu era jovem, tendia a destruir coisas. Agora que estou mais velha, acredito que é vital construir e criar”, afirmou Shirley. É quase uma síntese do caminho da banda: da rebeldia à maturidade, sem nunca perder a inquietação.

O possível encerramento também chama atenção pelo fato de o Garbage nunca ter se rendido a modismos fáceis. Mantiveram a mesma formação desde o início, atravessaram o declínio da indústria fonográfica nos anos 2000, resistiram às mudanças do mercado digital e, ainda assim, seguiram lançando álbuns consistentes, mantendo uma base de fãs fiel. Poucos grupos alternativos dos anos 1990 conseguiram atravessar tantas transformações sem se fragmentar.

O legado da banda também está ligado à sua força estética. Os videoclipes, com Shirley Manson como figura central, ajudaram a redefinir a presença feminina no rock alternativo, trazendo uma mistura de agressividade, glamour e vulnerabilidade. Ícone e inspiração, Shirley mostrou como ocupar um espaço de liderança sem se encaixar em estereótipos de gênero — uma postura que ecoa até hoje em artistas como St. Vincent, Karen O e Billie Eilish.

Se essa for, de fato, a última turnê, o Garbage sairá de cena com uma coerência rara: não com um anúncio espetacular de despedida, mas com uma reflexão sobre impermanência. É um gesto que conversa com a filosofia da própria banda, que sempre trabalhou com a tensão entre destruição e construção, caos e beleza. O silêncio após a última nota pode ser tão eloquente quanto as guitarras que marcaram sua discografia.