Música infantil brasileira: de Arca de Noé à era multimídia do YouTube

De Vinicius de Moraes aos canais digitais, projetos como Palavra Cantada, Mundo Bita, Partimpim e A Farra do Pato Rouco mostram como o gênero evoluiu mantendo poesia e pedagogia

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A música infantil brasileira sempre foi território de inovação artística e pedagógica. Nos anos 1980, Vinicius de Moraes levou sua poesia às crianças com A Arca de Noé, especial de TV que reuniu estrelas como Chico Buarque, Milton Nascimento e Elis Regina para cantar canções sobre animais. A adaptação de Chico Buarque para Os Saltimbancos transformou a fábula de quatro animais músicos em sucesso teatral no Canecão em 1977. Em 1983, Chico e Edu Lobo uniram música, ballet e poesia no espetáculo O Grande Circo Místico, que narrava o romance entre um aristocrata e uma acrobata e lotou teatros no Brasil e Portugal. Essas obras pavimentaram a compreensão de que a infância é espaço de imaginação e reflexão.

Em 1994, Sandra Peres e Paulo Tatit criaram a Palavra Cantada, referência em educação musical infantil. Trinta anos depois, a dupla acumula 430 composições autorais, mais de 2 milhões de álbuns e 1 milhão de DVDs vendidos, além de 3,9 milhões de inscritos e 2,8 bilhões de visualizações no YouTube. Músicas como “Sopa” e “Pé com Pé” tornaram-se ferramentas pedagógicas utilizadas em escolas, estimulando linguagem, coordenação motora e criatividade. Em 2025, o duo celebrou a data com turnê comemorativa e a exposição Ocupação Palavra Cantada no Itaú Cultural.

Criado em 2012 pelos estúdios Mr. Plot, em Recife, Mundo Bita expandiu a música infantil para o universo digital. O canal oficial acumula 13 milhões de inscritos e mais de 1 bilhão de visualizações, números que renderam ao projeto o Prêmio iBest de melhor conteúdo infantil. Nas animações, personagens coloridos cantam sobre natureza, inclusão e igualdade, aproximando crianças de temas socioambientais. O sucesso levou à criação de versões em espanhol, ampliando o alcance internacional.

Duas décadas depois de estrear como Partimpim, Adriana Calcanhotto lançou o álbum O Quarto em outubro de 2024, celebrando 20 anos do projeto. A cantora explicou que preferiu gravar composições inéditas — como “Malala”, dedicada à ativista paquistanesa — a apenas revisitar canções antigas, mantendo sua postura de tratar as crianças com inteligência e respeito. A volta de Partimpim mostra como artistas consagrados continuam a se aproximar do público infantil, trazendo sofisticação e sensibilidade.

Entre os projetos recentes, destaca‑se A Farra do Pato Rouco, criado pelo músico e produtor Juliano Juba. Lançado em maio de 2025, o single que dá nome ao projeto apresenta um personagem pato e combina animação, música e literatura. Segundo Juba, a intenção é apresentar a MPB às crianças com um olhar lúdico, inspirado em clássicos como Os Saltimbancos, O Grande Circo Místico e A Arca de Noé. O repertório apresenta personagens como um porquinho atrapalhado, um macaco bagunceiro, um casal de pulgas e um filhote de jacaré com lagartixa, cada um representando um estilo musical diferente, do forró ao tango.

Para o compositor, criar para crianças é tarefa de enorme responsabilidade: “Criar algo para uma criança tem uma responsabilidade grande, tanto quanto ter um filho ou filha. Você está comunicando com o futuro, então tem que ter consciência e ter um trabalho com leveza e alegria. O folclore, a ciranda, o maracatu, o samba, tudo isso me inspira”. Juba define o projeto como um “livro-animado”: os vídeos funcionam como pequenos livros ilustrados, inspirados na literatura infantil de autores como Ziraldo, Mary França e Eliardo França. A escolha do nome homenageia o irmão de Juba, Ricardo Moraes, apelidado “Pato Rouco” na infância, evocando memórias familiares.

De Arca de Noé à Palavra Cantada, passando por Mundo Bita, Partimpim e A Farra do Pato Rouco, a música infantil brasileira prova que se reinventa a cada geração. Seja em vinil, DVD ou YouTube, a essência permanece: usar a música para estimular imaginação, aprendizado e encantamento. Essas iniciativas constroem pontes afetivas entre pais e filhos e garantem que a riqueza da MPB siga viva também no universo infantil.