A polêmica recente envolvendo Will Smith expôs uma nova fragilidade da música em tempos de inteligência artificial. O ator e rapper foi acusado de usar imagens geradas por IA em um vídeo de sua turnê, supostamente para simular fãs nas plateias. A distorção nas mãos e rostos dos personagens do clipe logo chamou a atenção, com críticas que iam do “patético” ao “parece um boneco de cera derretido”. O episódio, noticiado pela jornalista Laura Molloy no NME, reabriu o debate sobre a ética do uso da tecnologia, principalmente quando ela tenta reproduzir algo tão visceral e humano quanto a experiência de um show.
Esse não é um caso isolado. Poucos meses antes, Rod Stewart também gerou controvérsia ao lançar um vídeo em homenagem a Ozzy Osbourne no qual usou inteligência artificial para simular a presença do vocalista do Black Sabbath. A iniciativa, que deveria soar como um tributo, acabou soando de mau gosto para muitos fãs, justamente porque a IA diluiu o caráter humano e a autenticidade de uma homenagem entre artistas. No lugar de um gesto caloroso e pessoal, ficou a impressão de um artifício frio e artificial.
Essas situações revelam um risco crescente: a IA, usada de forma descuidada, pode esvaziar o significado emocional que a música carrega. Se parte da força do rock, do rap ou do pop sempre esteve em representar emoções genuínas — suor, improviso, falhas, reações espontâneas do público — a tentativa de recriar esses elementos por algoritmos gera o efeito contrário, criando uma estética de “cera” que distancia os fãs em vez de aproximá-los. O problema não é a IA em si, mas o modo como é aplicada sem transparência ou respeito ao caráter humano da arte.
Ao mesmo tempo, o debate mostra que há uma linha tênue entre inovação e desrespeito. Quando bem usada, a tecnologia pode expandir a música — seja em experimentações sonoras, como já fazem artistas do eletrônico e do hip hop, ou em recriações que assumem seu caráter artificial de forma transparente. Mas quando tenta se passar por real ou substituir gestos humanos, como no caso de Will Smith ou de Stewart com Ozzy, a IA ameaça transformar celebrações artísticas em simulacros desconfortáveis. No fim, a grande questão não é apenas tecnológica: é sobre autenticidade e confiança, valores que sempre foram a espinha dorsal da música popular.
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