Sinéad O’Connor: entre a polêmica e o legado, agora no cinema

Cinebiografia revisita juventude da cantora irlandesa e reabre debate sobre sua arte e ativismo

A trajetória de Sinéad O’Connor volta ao centro das atenções com a produção de um filme biográfico sobre sua juventude e ascensão à fama. A cantora irlandesa, que morreu em 2023 aos 56 anos, marcou a música dos anos 1990 com sua intensidade artística, seu rock alternativo e sua postura política sem concessões. A cineasta Josephine Decker dirige o longa, que será produzido pela ie: entertainment, Nine Daughters e See-Saw Films, e terá roteiro de Stacey Gregg. A proposta é revisitar os anos iniciais da artista, quando sua versão de “Nothing Compares 2 U”, de Prince, transformou-a em uma estrela global improvável e controversa.

O filme se conecta a um movimento mais amplo de revisitar a vida de artistas através do cinema, mas o caso de Sinéad é especialmente carregado de camadas. Sua carreira sempre caminhou entre o sucesso e a polêmica, como em 1992, quando no Saturday Night Live rasgou a foto do Papa João Paulo II em protesto contra abusos na Igreja Católica. O ato incendiário a transformou em alvo de críticas e zombarias no próprio programa, mas também consolidou sua imagem como voz de protesto. O criador do SNL, Lorne Michaels, revelou recentemente que a teria convidado para cantar em sua comemoração de 50 anos, reconhecendo a importância histórica daquele gesto, mesmo após décadas de afastamento.

A cinebiografia chega em um contexto no qual a obra e as contradições de O’Connor estão sendo reavaliadas. Se em vida ela foi muitas vezes ridicularizada por desafiar convenções, hoje é vista como referência para gerações de artistas — de Alanis Morissette a Phoebe Bridgers. Sua recusa em separar a arte do ativismo a colocou em uma posição única, na qual preferia ser lembrada como uma cantora de protesto a ser celebrada apenas como popstar, como escreveu em suas memórias Rememberings (2021).

Ao unir os ecos de sua polêmica no SNL, a força de suas canções e o anúncio do filme, forma-se um retrato de como o tempo ressignifica trajetórias. Sinéad O’Connor não só moldou o rock alternativo com sua voz intensa, mas também antecipou debates sobre religião, abuso de poder e identidade feminina na música. O longa, portanto, não é apenas sobre uma artista, mas sobre como a arte, a política e a coragem pessoal se cruzam. Sua história, relembrada no cinema, reforça o peso de sua contribuição cultural: não apenas cantar, mas “lutar contra o inimigo real”, como disse no palco em 1992.