Song Exploder: quando a música se abre em camadas

De podcast cultuado a série na Netflix, o projeto criado por Hrishikesh Hirway se consolidou como um dos retratos mais íntimos do processo criativo na música contemporânea.

Lançado em 2014, o Song Exploder nasceu como um podcast independente em que artistas desconstroem suas próprias canções. O formato ganhou notoriedade por ir além da entrevista convencional: cada episódio é editado de forma a intercalar explicações com arquivos isolados de instrumentos e vocais, conhecidos como stems, permitindo que o ouvinte acompanhe o nascimento de uma faixa em seus mínimos detalhes. Essa estética singular transformou o projeto em uma referência e abriu caminho para a adaptação em série documental pela Netflix em 2020, expandindo a experiência para o campo audiovisual.

A essência do programa está em dar voz ao artista. Hrishikesh Hirway, criador e apresentador, reduz sua presença ao mínimo e privilegia a narrativa de quem compõe, grava e arranja. O resultado é uma espécie de raio-X musical em que o público entende como um timbre eletrônico, uma percussão ou um arranjo de cordas podem mudar completamente a percepção de uma canção. Na versão televisiva, essa intimidade é potencializada pela câmera, que revela bastidores de estúdios e detalhes pessoais do processo criativo.

O impacto de Song Exploder ultrapassa a esfera do entretenimento e alcança relevância cultural. O programa se tornou uma espécie de arquivo vivo da música contemporânea, reunindo depoimentos e desconstruções de nomes tão diversos quanto Seal, Lorde, Michael Kiwanuka e New Order, além de compositores de trilhas sonoras como as de Game of Thrones e La La Land. Na Netflix, artistas como Alicia Keys, R.E.M., Dua Lipa e Natalia Lafourcade ampliaram o alcance global da proposta, que já havia conquistado público e crítica no formato original.

Na série, alguns episódios se destacam pela força de sua narrativa audiovisual. Alicia Keys abriu a primeira temporada ao detalhar a criação de “3 Hour Drive” (com Sampha), revelando como a canção nasceu em meio ao luto e à saudade. Lin-Manuel Miranda emocionou ao desconstruir “Wait for It”, número de Hamilton que expõe fragilidade e esperança em um dos musicais mais marcantes do século. O episódio com R.E.M. mergulhou na construção de “Losing My Religion”, clássico que ganhou camadas inesperadas quando cada instrumento foi isolado. Já Dua Lipa revelou o processo de “Love Again”, faixa de Future Nostalgia, mostrando a costura entre referências disco e pop contemporâneo.

Outros momentos igualmente icônicos vieram com Nine Inch Nails, ao expor as complexidades sonoras de “Hurt”, e Natalia Lafourcade, que apresentou o caráter espiritual e comunitário por trás de “Hasta la Raíz”. A força desses episódios está em transformar canções conhecidas em narrativas íntimas e visuais, aproximando o público da experiência emocional dos artistas.

Mais do que revelar técnicas de produção, cada episódio funciona como um testemunho sobre visão artística e identidade. A força do projeto está em transformar detalhes de bastidores em histórias universais sobre criatividade, vulnerabilidade e obsessão. A crítica especializada, como destacou a New Yorker, enalteceu esse poder de abrir as músicas como se fossem confissões em formato sonoro.

Nesse sentido, Song Exploder se afirma não apenas como um produto de mídia, mas como um documento histórico da música feita no século XXI. Ele reflete a transformação do jornalismo cultural em tempos digitais, em que a audiência busca narrativas “de dentro para fora” e deseja entender não só a obra, mas também a mente que a criou. O projeto de Hrishikesh Hirway, seja no fone de ouvido ou na tela da televisão, mostra que a música continua a ser um território fértil de histórias a serem reveladas.